Capítulo 14 | Novel 'Benção do Oficial do Céu'

setembro 11, 2021 0

 


CAPÍTULO 14 - Roupas Vermelhas Como Bordo; Pele Branca de Neve (Parte 3)

Benção do Oficial do Céu





Ele parecia estar brincando, mas tinha uma inexplicável compostura de um ser onisciente. Apesar de soar juvenil, sua voz era mais grave do que o normal para sua idade, deveras agradável aos ouvidos.

Sentado altivo na carroça, Xie Lian lhe analisou pensativo por um momento antes de dizer, “‘Flor Tingida Pela Chuva Escarlate’ é um belo nome. Você sabe de onde veio, meu amigo?”.

Por respeito, o príncipe não falou “meu pequeno amigo”.

O rapaz se endireitou casualmente, descansando o braço sobre um joelho levantado, e arrumou suas mangas, respondendo divertidamente, “Nada grandioso, na verdade. Uma vez houve um incidente em que ele destruiu o ninho de outro fantasma e uma chuva de sangue caiu dos céus. No caminho de volta, ele viu uma flor sendo atingida pela chuva sangrenta, então parou e a protegeu com um guarda-chuva.”

Xie Lian conseguia imaginar aquela cena em sua cabeça, um ato de elegância em meio àquele banho rançoso. Ele, então, pensou sobre o incêndio daqueles trinta e três templos e riu.

“Hua Cheng causa confusão regularmente?”.

O jovem respondeu, “Não muito. Depende de seu humor.”

“Como ele era antes de morrer?” Xie Lian perguntou.

“Definitivamente não era uma boa pessoa,” o outro respondeu.

“E como ele se parece?”.

O rapaz levantou seus olhos para observá-lo quando ouviu aquela questão, inclinando a cabeça e se ajeitando brevemente para sentar ao lado de Xie Lian.

“Como você acha que ele se parece?” Ele devolveu a questão ao deus.

Vendo o jovem tão de perto, Xie Lian só conseguia pensar que ele era bonito demais para se colocar em palavras, mas sua beleza era mortal como uma espada, afiada e hipnotizante, fazendo com que fosse difícil mirá-lo nos olhos. O príncipe o encarou por um momento antes de desviar o olhar, derrotado.

Ele virou sua cabeça levemente e continuou com a discussão, “Se Hua Cheng é um dos grandes fantasmas, então tenho certeza de que ele tem diversas formas e muda constantemente.”

O jovem arqueou as sobrancelhas em sua direção, virando-se ao responder, “É, mas ainda há momentos em que ele usa sua aparência real. É claro, estamos falando dele mesmo, não de clones.”

Podia ser sua imaginação, mas Xie Lian percebeu que a distância entre eles parecia ser um pouco grande, então virou seu rosto novamente.

“Então, eu sinto que sua forma real é provavelmente um jovem como você.”

O rapaz levantou os lábios ligeiramente, “Por que você diz isso?”.

Xie Lian explicou, “Por nenhuma razão específica. Você diz o que quer e eu penso o que eu quero, só isso.”

O outro riu, “Quem sabe? Mas ele é cego de um olho.” Ele apontou para seu globo ocular direito. “Este aqui.”

Aquilo não era nada ultrajante. Xie Lian recordava-se de uma das muitas versões da história por trás de Hua Cheng em que ele usava um tapa-olho preto para esconder seu membro perdido, assim questionando, “Você sabe o que aconteceu com seu olho?”.

“Esta é uma pergunta que todos querem saber a resposta,” o jovem respondeu.

Outros perguntavam por que queriam saber qual era a fraqueza de Hua Cheng, mas Xie Lian indagou por pura curiosidade. Ele não disse mais nada e o rapaz continuou.

“Ele mesmo o arrancou.”

O príncipe foi pego de surpresa. “Por quê?”.

“Um momento de loucura,” o outro afirmou.

Ele podia arrancar o próprio olho quando em estado de loucura… Xie Lian estava agora mais curioso do que nunca sobre este Rei Fantasma Carmesim. Não podia ser algo tão simples como um momento de insanidade, provavelmente havia mais detalhes sobre aquela história.

O deus pressionou, “Hua Cheng tem algum tipo de fraqueza?”.

Xie Lian não esperava que o jovem tivesse a resposta para aquela pergunta, ele só questionara casualmente. Se a fraqueza de Hua Cheng fosse tão facilmente descoberta, então qualquer rumor sobre as opções não poderiam ser verdadeiros.

Mas o rapaz respondeu imediatamente, “Suas cinzas.”

Se alguém conseguisse as cinzas de um fantasma, poderia controlá-lo como bem quisesse. Se o fantasma desobedecesse e suas cinzas fossem destruídas, ele também iria se dissolver e se desintegrar. Aquilo era conhecimento comum, mas usá-lo contra Hua Cheng parecia infrutífero.

Xie Lian sorriu. “Provavelmente não há ninguém que consiga obter suas cinzas, então esta fraqueza não conta.”

“Nunca se sabe,” o outro comentou. “Há certas circunstâncias em que um fantasma voluntariamente entrega suas cinzas a alguém.”

“Como na aposta que ele fez com aqueles trinta e três oficiais celestes?”.

“É, claro,” o jovem escarneceu. Ele não precisava colocar em palavras para Xie Lian entender que o que tentava dizer era que não havia chance de Hua Cheng perder aquele desafio. O rapaz continuou, “Há um costume no reino fantasma que diz que se o fantasma tiver um escolhido, ele confiará suas cinzas àquela pessoa.”

Aquilo era como entregar sua própria vida nas mãos de outro. Tanta paixão, que contos encantadores.

Xie Lian disse excitadamente, “Eu não sabia que o reino fantasma tinha uma prática tão romântica.”

“Há uma tradição assim,” o jovem falou. “Mas não muitos ousam realizá-la.”

O príncipe imaginava que não. Não havia apenas fantasmas que enganavam os humanos, humanos podiam ser tão ruins quanto também. Deveria haver diversas histórias de traição e abuso.

Ele suspirou. “É de fato doloroso pensar sobre isso. Dar tudo em nome do amor e perder tudo em troca.”

O rapaz riu em voz alta. “O que há para se temer? Se fosse eu, não teria arrependimentos se entregasse minhas cinzas, destruídas ou não.”

Tendo conversado por tanto tempo, Xie Lian subitamente percebeu que ainda não haviam se introduzido um ao outro. “Meu amigo, qual é seu nome?”.

O jovem levou uma mão à testa para bloquear os raios do sol vermelho como sangue e fechou um pouco seus olhos como se abominasse aquela luz, “Eu? Sou o terceiro da minha família. Eles me chamam de San Lang[1].”

Ele não disse seu nome completo, mas Xie Lian não se incomodou em pressioná-lo.

“Meu sobrenome é Xie, o nome é Lian. Você está indo para o Vilarejo Puqi também?”.

San Lang recostou-se de volta na pilha de feno, colocando os braços atrás de sua cabeça e cruzando as pernas. “Não sei. Não tenho nenhum destino em mente.”

Parecia que havia uma história por trás de suas palavras, portanto o deus gentilmente perguntou, “O que houve?”.

San Lang suspirou. “Meus pais discutiram e me colocaram para fora. Eu caminhei por um tempo, mas não tinha lugar nenhum para ir. Quase desmaiei nas ruas de fome até que encontrasse algum lugar para descansar.”

As roupas que o rapaz usava eram simples, mas de muita qualidade. Com seu jeito erudito de falar e sua atitude despreocupada, Xie Lian havia realmente pensado que ele era de uma família bem sucedida. Deveria ser difícil para um respeitoso jovem rapaz como aquele ficar tanto tempo sozinho a esmo. Xie Lian entendia tal sentimento. Ouvindo que estava com fome, o príncipe procurou em sua sacola, mas encontrou apenas um pequeno bolinho no vapor. Ao menos ele não havia ficado duro ainda.

“Você quer?”.

O jovem assentiu e Xie Lian lhe entregou o bolinho. San Lang voltou seu olhar para ele.

“E quanto a você?”.

“Eu estou bem, não estou com fome ainda,” o deus respondeu.

San Lang lhe devolver o alimento. “Então, eu também estou bem.”

Xie Lian olhou para ele, dividindo o bolinho em dois e lhe entregando um pedaço. “Você pode ficar com a metade e eu ficarei com a outra.”

Vendo aquilo, San Lang aceitou a pequena iguaria e começou a mastigá-lo. Assistindo-o sentar ali e comer um simples bolinho tão obedientemente, Xie Lian sentiu que estava abusando do garoto.

O carro de boi andava lentamente por entre os morros acidentados e o sol gradualmente se punha no horizonte enquanto os dois conversavam lá atrás. Quanto mais falavam, mais o príncipe achava que San Lang era um rapaz extraordinário. Numa idade tão jovem, sua dicção e comportamento já eram maduras e inteligentes, calmas e centradas, como se não houvesse nada no mundo que não soubesse e nada poderia fazê-lo se deter. Xie Lian só conseguia pensar que ele era mais sábio do que aparentava, mas ainda possuía a aparência de um adolescente. 

O deus eventualmente comentou que era o sacerdote do Santuário Puqi e San Lang indagou, “Santuário Puqi? Parece que há muitas castanhas d’água para comer! Eu gosto delas. Para que deus é dedicado?”

Tendo sido questionado com uma pergunta tão turbulenta novamente, Xie Lian limpou sua garganta e disse, “O Príncipe Herdeiro de Xianle. Você provavelmente não o conhece.”

San Lang sorriu, porém antes que pudesse dizer qualquer coisa o carro de boi balançou violentamente.

Os dois foram sacudidos junto da carroça e Xie Lian esticou a mão para segurar San Lang, com medo de que ele caísse. No entanto, assim que seus dígitos tocaram o rapaz, este lhe empurrou levemente como se seu toque o queimasse. Houve apenas uma breve mudança em sua expressão, mas Xie Lian percebeu mesmo assim e pensou que talvez aquele garoto na verdade não gostasse dele. Mas eles tiveram uma conversa tão boa por todo aquele tempo, não? Mesmo assim, não havia tempo para ponderar.

O príncipe levantou e olhou ao redor. “O que está acontecendo?”.

O idoso cocheiro respondeu, “Eu não sei! Velho Huang, por que não está se movendo? Vamos lá!”

O sol já havia se posto àquela hora e o carro de boi ainda estava embrenhado fundo na floresta, agora cercada pela escuridão. Aquele velho animal, Huang, apenas ficou parado ali, recusando-se a se mover não importava o quanto o carreiro implorasse. Ele mugia e protestava, cravando suas patas no chão e balançando a cauda como um chicote. Aquilo não parecia certo. Xie Lian estava prestes a pular da carroça quando, de repente, o senhor apontou para frente e gritou.

Mais adiante na estrada, um considerável número de chamas verdes flutuantes queimavam aglomeradas, voando pela floresta. Um grupo de figuras vestidas de branco lentamente vinha em sua direção enquanto seguravam suas cabeças.

Tendo aquela visão, Xie Lian exclamou, “Proteja!”.

Ruoye saiu de sua manga e criou um círculo ao redor do carro de boi, flutuando acima dele e protegendo os três mais o animal.

Xie Lian virou-se e perguntou, “Que dia é hoje?”.

O velho carreiro não conseguiu responder antes que o jovem falasse atrás de si.

“Zhongyuan.”

A metade do sétimo mês, quando os portões do submundo se abriam. Ele não havia checado seu calendário antes de descer naquele dia e acabou por vir justamente no Festival Zhongyuan!

A voz do príncipe foi reduzida a um sussurro, “Fiquem perto de mim. Demos de cara com o mal hoje à noite. Se virarmos no caminho errado naquela bifurcação, nunca retornaremos.”




----------


[1] [三郎] “San Lang” pode ser traduzido como “terceiro filho”. Porém, pode ser visto mais como um apelido do que um nome de fato. Também é um termo arcaico que as mulheres usavam para se referir a seus amantes, derivado da Dinastia Tang.



Traduzido por: Mia

Revisado por: Mia

TGCF Brasil


0 Comentários em "Capítulo 14 | Novel 'Benção do Oficial do Céu'"