Capítulo 9 | Novel 'A Lenda do Exorcismo'

outubro 25, 2021 0

 


CAPÍTULO 9 - Novatos

A Lenda do Exorcismo





 

Todos estavam surpresos. 

“Acabou!”  O yao carpa exclamou, “É o seu superior lá dentro! É o seu chefe[1]!” 

“O que deveríamos fazer?”  Todos se entreolharam com consternação. Hongjun disse, “Vou acordá-lo e pedir desculpas pelos problemas que causei.”

O garoto reuniu coragem e avançou enquanto os outros três o olhavam.  No final, não era bom deixa-lo assumir a responsabilidade sozinho, então o seguiram. Hongjun deu um tapinha cuidadoso no rosto de Li Jinglong e sussurrou, “Ei, acorde.”

O yao carpa se intrometeu, “Isso é o que você chama de acordar? Bata logo nele.”

Hongjun respondeu freneticamente, “Ele é o superior! Você está me dando ordens?!”

Sem mais delongas, o yao se aproximou e estapeou Li Jinglong com ambas as mãos, causando um estalo que ressoou alto. Todos quase tiveram um ataque de pânico, rapidamente exclamando, “Pare!” 

Li Jinglong estremeceu e despertou em um instante. Antes que pudessem ao menos pensar, A-Tai vigorosamente bateu na parte de trás da cabeça do superior com seu alaúde. Com um som abafado, o oficial caiu inconsciente novamente.

“Zhao Zilong, não cause mais problemas, por favor.” Hongjun já estava prestes a chorar.

De repente, Qiu Yongsi, iluminado por uma ideia, falou, “Por que não o deitamos no sofá, afrouxamos suas amarras e esperamos que eles acordem sozinhos? Vamos fingir que nada aconteceu. Não importa o que ele pergunte, diremos a mesma coisa: que eles desmaiaram por causa da insolação.” 

“Boa ideia!” Todos responderam, um após o outro.

Assim, A-Tai afastou as mãos do instrumento. Eles desamarraram Feng Changqing e Li Jinglong, levaram-nos ao sofá e os colocaram deitados lado a lado.

“Isso deve bastar!” Qiu Yongsi disse. “Irmãos, vamos para o pátio frontal para continuar o que supostamente estávamos fazendo enquanto esperamos eles acordarem. Quando voltarem a si, os receberemos com alegria e perguntaremos ´Chefe, o senhor acordou?´. Se nos recusarmos a admitir algo, não há como descobrirem alguma coisa. Não faz sentido?” 

Os quatro concordaram em uníssono e viraram para sair. Contudo, após darem um único passo, Li Jinglong pronunciou friamente atrás deles, “Eu ouvi tudo.” 

Todos, “...”

O período de outro incenso passou. A cabeça de Li Jinglong fora enrolada em bandagens, enquanto Feng Changqing parecia bem, ambos sentados no salão principal. Os outros quatro, por sua vez, estavam ajoelhados em almofadas, sorrindo sem jeito. 

“Chefe,” Mo Rigen disse cautelosamente,  “O que aconteceu hoje foi um mal entendido. Aliás, não importa o que diga, não deveria ter atacado de repente sem fazer perguntas primeiro. Você feriu nosso irmãozinho.”

“Como eu poderia saber?!” Li Jinglong gritou agitado, “Este garoto me fez perder minha posição como oficial militar e me tornou motivo de piada entre o povo de Chang’an. Quem vai me livrar desta injustiça agora?”  

“Ah? Por quê?” Hongjun estava escondido atrás de Mo Rigen e Qiu Yongsi, e colocou a cabeça para fora para perguntar.

Imediatamente, Mo Rigen o puxou de volta e se colocou entre eles. A-Tai falou, “Todos estão aqui para dar seu melhor e manter a paz em Chang’an. Como pode ficar zangado a ponto de descontar em alguém tão puro e ingênuo como um recém-nascido só por causa de um mal entendido? Este belo irmãozinho é inocente..."

"Já chega!" Li Jinglong estava prestes a ter um colapso de raiva. 

“Vou tocar uma melodia para o senhor, chefe.” A-Tai disse com um sorriso, “Talvez uma canção dissolva sua raiva e tudo no mundo…” 

“Guarde seu alaúde!” O oficial rosnou.    

Todos caíram em silêncio. A-Tai incoerentemente começou a resmungar e a atmosfera mais uma vez se tornou constrangedora. Li Jinglong estava indignado, tomado pela fúria e indignação que se tornaram insignificantes. Por um momento, ele não sabia o que deveria fazer.

Subitamente, Feng Changqing afirmou, "Então, quer dizer que de fato existem estranhos yaos em Chang’an. V-Vo-Você… Que tipo de yao é você?!”

Ele apontou um dedo trêmulo para a carpa, que respondeu, “Você é cego?! Não reconhece uma carpa…” Mas antes que terminasse sua frase, Hongjun cobriu sua boca.

“Você, venha aqui.” Li Jinglong apontou para Hongjun e disse, "Não se esconda atrás deles. Vou lhe fazer três perguntas e deixaremos o passado no passado.”

O rapaz fez uma reverência ao sair de trás de Mo Rigen e sentar de pernas cruzadas em frente ao outro.

“Nós lutamos naquele beco próximo à Pingkang aquela noite?” Li Jinglong questionou.

“Sim,” Hongjun replicou. 

O oficial olhou de soslaio para Feng Changqing, que permaneceu em silêncio.

“Para onde me levou depois de me desacordar?” Li Jinglong indagou novamente. 

Hongjun pensou e deu uma breve descrição do que aconteceu, adicionando, “... Mas, para ser sincero, não fui eu quem te desacordou, foi você…” 

Li Jinglong ergueu a mão para interrompê-lo e depois encarou Feng Changqing, que continuou calado e assentiu. 

“Eu fiz algo com Sang’er?” Ele voltou a questionar. 

“Não.” Hongjun observou o rosto de Li Jinglong,  sem saber por que havia feito aquelas perguntas. 

Dessa vez, o soldado se virou na direção de Feng Changqing e continuou, "Todos lá fora dizem que eu sou…”

O mais velho o interrompeu imediatamente, “Vocês quatro, saiam.” 

Os quatro rapazes se retiraram rapidamente e Mo Rigen fechou a porta. A raiva de Li Jinglong acumulava-se em cada membro de seu corpo enquanto continuava, “... Eles dizem que eu sou o filho pródigo da família Li. Eu esgotei a herança de minha família apenas para cumprir o último desejo de Lorde Di. Eu servi à Grande Tang! Eu servi à dinastia! Só para acabar sofrendo esta injustiça irreparável! Ninguém acreditou em mim! Agora, um estranho yao apareceu na sua frente! Você não viu?!” 

Dizendo aquilo, Li Jinglong apontou para a carpa no salão. O yao abria e fechava a boca, suas duas pernas meio agachadas enquanto encarava aqueles dois. 

O yao carpa, “...” 

Feng Changqing, “Por que ainda está aqui?! Saia também!” 

O pequeno demônio foi chutado para fora. Os quatro jovens aguardavam no saguão e Hongjun não podia evitar se sentir apreensivo. O grupo começava a discutir sobre o assunto quando o yao correu em sua direção e falou, “Eles estão brigando!”

Hongjun perguntou, “Brigando pelo quê?” 

“Deve ser o assunto de vadiar em bordéis,” Mo Rigen comentou. 

A-Tai se esgueirou e os outros três logo o seguiram para bisbilhotar. Somente a indignada voz de Li Jinglong podia ser ouvida no salão, enquanto Feng Changqing estava quieto. 

“... Os soldados do Exército Longwu estavam rindo de mim hoje! Yang Guozhong até mesmo escreveu um artigo sobre a minha experiência de vida! Ninguém ficou ao meu lado para me defender dessas acusações, o que eu poderia dizer?! Apenas aguentei! Pessoas de todos os lugares me humilharam tanto que já vi todo tipo de olhares arrogantes possíveis no caminho até aqui, mas em meu coração, eu podia apenas desprezar esses grupos de pessoas comuns, completa e absolutamente estúpidos! E quanto a você?! Agora descobriu que me culpou injustamente! Isso vai acabar em nada definido de novo?!”

“Eu errei.” Com um longo suspiro, Feng Changqing disse, “O que gostaria de fazer? Levar aquele garoto ao Chanceler Yang para corrigir tudo isso?”

O salão ficou silencioso. 

Do lado de fora, os três rapazes olharam ao mesmo tempo para Hongjun, que podia vagamente supor pela conversa lá dentro que aquele homem sofrera um duro golpe… Ele sentia que estava com problemas, ou que logo estaria, e não sabia o que fazer. 

“Deixe para lá,” Li Jinglong disse friamente. “Algum dia, todos verão.”

Naquele momento, o toque de recolher soou. Li Jinglong voltou a falar, “Você pode voltar.”

Feng Changqing disse sincero, “Por que temer boatos mundanos, grande homem? Eu o acusei injustamente ontem, Jinglong, mas não fui eu quem…”

Li Jinglong abriu a porta. Ao mesmo tempo, os quatro homens que estavam do lado de fora se afastaram como folhas ao vento. A-Tai sentou diante do canteiro de flores sob a árvore guarda-sol, dedilhando seu alaúde, Qiu Yongsi analisava os pilares de um vermelho esmaecido com as mãos atrás das costas, Mo Rigen começou a erguer a janela quebrada e Hongjun se agachou perto do poço enquanto cutucava o yao carpa com um graveto. 

Com o retumbar do tambor noturno, Li Jinglong entrou no pátio, olhando de lado para Feng Changqing, que saiu apoiando-se em sua muleta, virando a cabeça para os outros ao passar por eles. 

“Se por acaso o Chanceler Yang vier, você deve esconder bem a carpa.” Feng Changqing advertiu. “Do contrário, ela será dada a Sua Majestade para divertir a Consorte Imperial.”

“Ele não virá,” Li Jinglong comentou friamente. “Mesmo que seja um demônio, não vou dá-lo como um brinquedo.”

Hongjun e o yao carpa ficaram espantados. Zhao Zilong não pôde evitar olhar para o oficial. Em meio aos sons do toque de recolher, Feng Changqing partiu. 

“Entrem, todos vocês.” Li Jinglong ditou com clareza e imposição. 

Quando adentraram o salão principal, o superior buscou água para que primeiro lavassem as mãos um por um, e remexeu no armário a procura de incenso. 

“Alguém tem fogo?” Perguntou calmo.

A-Tai moveu o dedo. Logo em seguida, uma pequena nuvem de fumaça subiu do anel de rubi quando chamas se formaram. 

Li Jinglong arregalou os olhos, abismado. A-Tai sorriu levemente e arqueou a sobrancelha como se tivesse acabado de descobrir algum segredo. 

O outro nada disse, acendendo as varetas de incenso na chama e as distribuindo entre os quatro. Segurando três em suas mãos, ele caminhou até o mural e fez três reverências para prestar respeito ao retrato de Di Renjie. 

“Lorde Di, o Departamento de Exorcismo foi reaberto hoje. Que seu espírito e sua alma possam dar sua bênção a nós e à Grande Tang.” 

Após terminar suas preces, Li Jinglong indicou aos outros que se aproximassem e todos colocaram as varetas ao mesmo tempo no incensário. Por fim, ele ergueu os olhos para a imagem manchada do homem na parede antes de se virar e deixar o salão principal, comandando, “Dispensados.”

Os sons dos tambores soavam ao longe e todos se dispersaram ansiosamente. 

Mo Rigen agachou-se no pátio e os outros três começaram a conversar, olhando para a ala leste de tempos em tempos. Eles não sabiam o que Hongjun havia feito para enfurecer Li Jinglong, apenas especulavam que ele o havia levado para um bordel e aquilo arruinara sua reputação. No entanto, Hongjun não sabia o que era um bordel, então os outros podiam apenas continuar frustrados. 

Acabaram por concluir que o oficial atacara ignorando a razão e sem dar chances ao outro envolvido se explicar, tornando-se impulsivo.

De qualquer forma, o mais importante não era quem ofendera a quem, nem o temperamento de Li Jinglong. Todos estavam deprimidos, tristes por seu superior ser um humano comum.

Supostamente, um exorcista que se apresentava ao trabalho possuía certas habilidades, mesmo que parcas, e seria capaz de lidar com yaos. Porém, Li Jinglong era realmente um ser humano normal! 

“A espada dele é muito poderosa,” Hongjun falou. “Conseguiu trespassar minha Luz Sagrada Pentacromática.”

“Não importa quão poderosa seja a espada, é só uma artefato mágico,” A-Tai comentou. “Como poderia ativá-la sem qualquer habilidade? Ah…” 

Hongjun não queria comentar que Li Jinglong havia absorvido a Lâmpada do Coração. Além disso, ele ainda não havia verificado se estava mesmo dentro dele. Após muita deliberação, todos pareciam bastante abatidos. Mo Rigen fundamentalmente pensava que a pessoa responsável pelo Departamento de Exorcismo deveria ser uma especialista. A-Tai via Li Jinglong como alguém totalmente entediante. Qiu Yongsi achava que o chefe, de certa forma, deveria ter alguma aptidão para proteger seus subordinados. 

Entretanto, fora suas artes marciais de alto nível e a arma mágica que carregava, suas habilidades não possuíam méritos e era inevitável que fosse pouco interessante. 

Enquanto falavam sobre ele, o oficial saiu da ala leste e foi ao pátio para pegar suas roupas de cama, ignorando-os. Os outros não disseram mais nada, parecendo ainda desconfiados daquele chefe. 

“Então… o que devemos fazer agora?” Hongjun indagou. 

“Esperamos por suas instruções,” A-Tai falou com um sorriso. “Ele está fazendo o que lhe foi ordenado… Vamos voltar.”

Assim que A-Tai se afastou, Qiu Yongsi comentou, “Eu não quero segui-lo para caçar demônios, teremos de nos esforçar em dobro para protegê-lo e eu tenho medo da morte.”

Qiu Yongsi, então, foi embora. Mo Rigen encolheu os ombros e estava prestes a perguntar a Hongjun em qual quarto ele ficaria, quando o mais novo disse que ia ver Li Jinglong primeiro, dirigindo-se em silêncio até onde o outro se encontrava.

Parando do lado de fora da ala leste, Hongjun olhou ao redor enquanto a lua estava em seu ápice, trazendo o ar gelado do outono. Ele viu Li Jinglong levar os lençóis para dentro, sua silhueta alta arrumando a cama sob a luz. 

“Precisa de ajuda, chefe?” Hongjun perguntou.

“Não diga nada," o yao carpa falou ao seu lado. “Se está sendo sincero em querer ajudar, apenas entre.”

Hongjun, “Cale a boca!”







[1] O termo original usado é Zhangshi [上司], que é um nome para um oficial. O trabalho de um Zhangshi varia, mas neste caso ele foi apontado como líder, por isso resolvemos deixar como “chefe”, simplesmente. Zhang significa “líder” e shi refere-se ao título de um oficial.



Traduzido por: Ana

Revisado por: Mia

TGCF Brasil

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