Capítulo 27 | Novel 'Benção do Oficial do Céu'

janeiro 22, 2022 0


 

CAPÍTULO 27 - HuaLian aos Flertes; A Noite Cai no Abismo dos Pecadores (Parte 4)

Benção do Oficial do Céu










“Ke Mo, o que está acontecendo?” A Guoshi perguntou na linguagem de Meia Lua assim que pousou.

No momento em que abriu sua boca, Xie Lian pensou que ela soava bastante diferente do que imaginara. Mesmo que ainda sombria, a voz da garota era pequena, como uma criança mal-humorada resmungando, e não imponente e poderosa. Se seus ouvidos não fosse tão bons, ele talvez nem a teria escutado direito.

“O que está acontecendo?? ELES ESTÃO TODOS MORTOS!!!” Ke Mo berrou.

“Como eles morreram?” A menina questionou.

“Não foi por que você mesma os empurrou e encurralou neste lugar esquecido pelos deuses?!”

“Quem está aqui? Há mais uma pessoa,” a Guoshi afirmou.

No fundo do abismo deveria haver na verdade mais duas “pessoas” além de Ke Mo. Mas San Lang não possuía respiração nem batimentos cardíacos, então a Guoshi não conseguiria detectar sua presença. O caos generalizado também havia tomado conta do topo da muralha mais cedo e ninguém havia se atentado à quem caíra e quem fugira, assim ela achava que só havia Xie Lian ali.

“Foram eles que mataram todos os meus soldados. Está feliz agora? Eles finalmente estão todos mortos!”

A Guoshi ficou em silêncio por um momento. Subitamente, uma ínfima faísca clareou o local, revelando uma pequena garota de preto conjurando uma chama em suas mãos.

Surpreendentemente, a menina parecia ter por volta de quinze ou dezesseis anos apenas, vestida de robes negros simples de cultivação, e seus olhos eram melancolicamente escuros também. Ela não era desprovida de beleza, somente de felicidade, e sua testa e bochechas estavam cobertas de hematomas, claros e distintos sob a luz que emitia.

Se não houvessem recebido a confirmação daquilo mais cedo, ninguém acreditaria que aquela criança pálida e franzina era a Guoshi de Banyue.

As chamas em seus dedos iluminavam a si mesma e seus arredores, e em seus pés haviam os corpos dos soldados de Meia Lua trajados de armaduras.

Xie Lian não conseguiu evitar dar uma espiadela atrás de si.

A tocha que a Guoshi acendera em suas mãos era pequena e a luz não chegava à todos os lugares do poço, então eles ainda estavam rodeados pela escuridão. Porém, mesmo com a pouca claridade que possuíam no momento, Xie Lian ainda conseguia ver a figura de vermelho ao seu lado.

Quiçá fosse apenas sua imaginação, mas San Lang, que já era mais alto do que ele antes, de alguma forma parecia ainda maior. O olhar do príncipe se moveu para cima vagarosamente até a garganta do rapaz, parando por um momento antes de continuar a subir, finalmente pousando em um queixo elegantemente esculpido.

Os detalhes da parte superior do rosto de San Lang ainda estavam encobertos pelas sombras, mas Xie Lian não podia deixar de pensar que a parte inferior parecia levemente diferente de antes. Não menos atraente, porém as linhas de sua face estavam muito mais definidas. Sentindo que estava sendo observado, San Lang inclinou a cabeça e seus lábios se curvaram suavemente.

Talvez fosse porque queria ter uma visão melhor, aproximar-se, que Xie Lian inconscientemente dera um passo mais perto do outro.

Justo naquele instante, Ke Mo urrou à distância, aparentemente em choque após ver a realidade sangrenta da tragédia à sua frente. O deus abruptamente voltou aos seus sentidos e virou-se para olhar, encontrando Ke Mo com a cabeça enterrada em suas mãos. Apesar das lamúrias do general, a expressão da Guoshi continuava imutável, apenas assentindo brevemente.

“Isso é bom.”

Ouvir aquelas palavras em meio ao seu luto fez Ke Mo ter um acesso de fúria mais uma vez. “‘Bom’?! O que é ‘bom’?! O que você quer dizer com isso?!”

“‘Bom’ significa que estamos finalmente livres,” a Guoshi respondeu.

Ela virou-se para Xie Lian, que ainda estava encoberto pela escuridão. “Foi você quem os matou?”

“Foi um acidente,” o príncipe respondeu.

“Está mentindo na cara dura!” Ke Mo exclamou. 

Xie Lian respondeu sem um traço de vergonha em seu semblante, “A vida é cheia de acidentes!”

O olhar da Guoshi caiu sobre ele, mas sua expressão era ilegível. “Quem é você?”

Suas palavras foram pronunciadas em perfeito dialeto Han[1] e não soavam como uma interrogação.

“Sou um oficial celeste. Este aqui é… meu amigo,” o deus respondeu.

Ke Mo não conseguia entender suas palavras, mas podia perceber que eles não estavam brigando e demandou, “O que vocês dois estão dizendo?”

A garota mirou além de Xie Lian e repousou seus olhos em San Lang por um breve instante antes de desviá-los. “Nunca recebemos a visita de um oficial celeste antes. Pensei que todos vocês haviam abandonado este lugar.”

O príncipe pensara que teriam de lutar contra a Guoshi de Banyue em algum momento, mas encontrou-se atônito ao ver que a menina na verdade era desanimada e desprovida de qualquer espírito de briga. 

Ela continuou, “Vocês dois querem sair daqui?”

“Claro que queremos, mas há uma formação mágica envolvendo este precipício, então não conseguimos,” Xie Lian respondeu.

Ouvindo aquilo, a Guoshi caminhou em direção à uma das paredes, levantou sua mão e desenhou algo ali. Ela, então, virou-se novamente e disse, “Pronto, eu desfiz o encantamento. Vocês dois podem ir embora agora.”

“...”

Aquilo havia sido tão fácil! Xie Lian realmente não sabia o que falar.

Naquele momento, uma voz soou do topo das muralhas. “Ei! Tem alguém aí embaixo?! Se não houver, estou indo embora!”

Era Fu Yao.

O príncipe gritou, “Fu Yao! Há pessoas aqui embaixo! Estou aqui também!”

Ele acenou e o outro exclamou de volta lá de cima, “Você realmente está aí embaixo? O que tem aí além de vocês?”

“Hm… um monte de coisas. Por que você não desce aqui e vê por si mesmo?”, Xie Lian sugeriu.

Fu Yao provavelmente pensou o mesmo, e com um estrondo alto, arremessou uma esfera de fogo no breu abaixo.

Em um segundo, o Abismo dos Pecadores inteiro ficou iluminado como o dia e Xie Lian finalmente conseguiu ver claramente em que tipo de lugar esteve todo aquele tempo.

Ao redor de si havia montanhas de corpos ensanguentados, inúmeros soldados de Meia Lua empilhados uns sobre os outros com seus rostos e membros enegrecidos pelo sangue preto que manchava suas armaduras brilhantes. O canto em que o deus se encontrava era o único local de todo o abismo que não possuía um corpo morto.

E tudo aquilo havia sido feito em um instante, no escuro, por San Lang após pular lá de cima.

Xie Lian virou-se para olhar o rapaz próximo de si mais uma vez.

Antes, em meio às trevas, ele percebera vagamente que San Lang parecia mais alto e certos traços eram sutilmente diferentes. Porém agora, sob a brilhante luz do fogo, aquele que estava ao seu lado era o mesmo jovem belo que ele conhecera. Este que, quando viu o oficial lhe observando, sorriu.

Xie Lian também olhou para baixo para checar seus pulsos e botas, e ambos eram igualmente os mesmos de antes, sem nada que pudesse causar um som de tilintar.

E então, um som abafado foi ouvido. Era Fu Yao, que acabara de pular lá para baixo.

“Você não estava cuidando dos mercadores?” Xie Lian questionou.

Tendo acabado de entrar no poço, o júnior ainda não estava acostumado com o odor nauseante de sangue e abanou sua mão para fazer o ar circular. Ele respondeu indiferente, “Esperamos por mais de seis horas e ainda não havia sinal de vocês, então pensamos que algo tinha acontecido. Desenhei um círculo de proteção para eles ficarem dentro e vim ver como estavam as coisas.”

O príncipe franziu o cenho, “O círculo não vai durar muito tempo. Com você aqui, e se eles saírem da barreira achando que os deixou para trás?”

Fu Yao deu de ombros. “Oito cavalos não conseguem puxar um homem que realmente quer encontrar sua morte. Eu não posso parar pessoas teimosas, então do que me vale tentar? E aqueles outros dois ali? Quem é quem?”

Fu Yao estava com todos os sentidos em alerta, sua guarda levantada contra as duas pessoas desconhecidas. Mas ele logo descobriu com perplexidade que Ke Mo já estava gravemente ferido no chão, quase incapaz de levantar, e a Guoshi permanecia quieta e de cabeça baixa.

“Aquele é o general de Meia Lua e a outra é a Guoshi de Banyue. Neste momento, eles estão…”

Ke Mo subitamente pulou antes que Xie Lian pudesse terminar. Ele esteve deitado ali, recuperando suas forças, até que conseguiu saltar com um rugido, visando atingir a garota com seus punhos. Um guerreiro gigantesco e musculoso atacando uma pobre menina, normalmente, Xie Lian nunca deixaria algo assim acontecer em sua frente. Porém, Ke Mo possuía todas as razões para odiar a Guoshi de Banyue e esta, por sua vez, podia defender-se perfeitamente bem. No entanto, ela não o fez, e deixou-se ser jogada de um lado para o outro como uma boneca de pano rasgada.

O general gritou para ela, “Onde estão suas cobras-escorpião? Vamos lá! Deixe-as me morderem até a morte também! Deixe que eu me liberte também!”

A Guoshi respondeu sombriamente, “Ke Mo, minhas cobras não me obedecem mais.”

“Então, por que elas não lhe matam?!” Ele zombou.

“... Perdoe-me, Ke Mo,” a menina pediu suavemente.

“Você realmente nos odeia tanto assim?!”

A Guoshi balançou a cabeça e o general ficou ainda mais furioso. “Você será o meu fim! Se não nos odeia, por que nos traiu?! Sua espiãzinha sem vergonha, toupeira nojenta, traidora!!”

Fu Yao o assistia atingi-la cada vez mais forte. Todos os golpes vinham de uma pessoa só e ele não pode evitar franzir as sobrancelhas. “O que eles estão falando? Não deveríamos impedi-los?”

Xie Lian igualmente não conseguia mais assistir e correu na direção dos dois para deter Ke Mo. “General! General! Por que não nos conta quem aquele delinquente de Yong’an realmente é e nós podemos—”

Subitamente, a Guoshi segurou seu pulso.

A pegada era tão forte e veio tão inesperadamente que o coração de Xie Lian deu um pulo, pensando que ela iria atacá-lo. Contudo, quando baixou seu olhar para a garota, viu que a Guoshi se encontrava de quatro no chão. Havia um pequeno machucado no canto de sua boca e sua cabeça estava levantada, encarando-o atentamente. Ela não disse uma única palavra, mas seus olhos negros pareciam intensos com a chama da vida.

Aquele comportamento podia ser sobreposto com uma imagem de uma memória há muito esquecida. Depois de uma pausa, Xie Lian disse incrédulo, “É você?”

A Guoshi indagou de volta, “General Hua?”

Aquela troca entre eles fez com que todos no abismo ficassem atordoados.

Fu Yao correu para frente, desacordou Ke Mo com um soco e inquiriu, “Vocês dois se conhecem?”

Xie Lian não tinha tempo para respondê-lo, no entanto. Ele se agachou, segurou os ombros da menina e examinou seu rosto.

Os dois estavam longe um do outro anteriormente, então não conseguiam se ver claramente. Além disso, já haviam se passado duzentos anos, a garota havia amadurecido durante aquele tempo e, por várias razões, o príncipe não a reconhecera de imediato. Porém, agora que a analisava propriamente, podia admitir que era o mesmo rosto que residia em suas memórias.

Xie Lian ficou sem palavras por um bom tempo, e vários minutos se passaram antes que ele suspirasse. “Banyue?”

A Guoshi rapidamente agarrou as mangas do homem, surpreendentemente demonstrando certa excitação. “Sou eu! General Hua, você ainda lembra de mim?”

“É claro que me lembro de você. Mas…” Xie Lian a admirou por um tempo e suspirou novamente. “Mas o que você fez consigo mesma?”

Quando ouviu aquilo, os olhos da Guoshi se encheram de dor.

“Desculpe, Capitão… Eu fiz besteira,” ela murmurou.

Naquela conversa podia-se ouvir “General” isso, “Capitão” aquilo, fazendo com que os dois espectadores tivessem uma óbvia realização. Fu Yao estava embasbacado. “Capitão? General? VOCÊ? Como isso aconteceu? Então, aquele Túmulo do General era…”

Xie Lian assentiu. “Meu túmulo.”

“Você não havia dito que só viera aqui para coletar sucata duzentos anos atrás?!” O oficial questionou.

“Isto… é uma longa história. Esse era o plano original,” o deus respondeu.

Aproximadamente duzentos anos atrás, por causa de certas circunstâncias, Xie Lian não pôde mais ficar por aí no leste e decidiu sumir de vista por algum tempo. Ele planejava cruzar a Cordilheira Qing e seguir para o sul, onde começaria uma nova vida como catador de sucata. Assim, o príncipe pegou sua bússola e iniciou sua jornada.

Entretanto, quanto mais ele andava, mais lamentavelmente pensava: por que este cenário não me parece correto? Deveria haver uma abundância de árvores e plantas, cidades e vida, então como aquela estrada se tornava cada vez mais desolada.

Mesmo assim, Xie Lian deixou suas suspeitas de lado e teimosamente continuou. O príncipe andou e andou até dar de cara com o Deserto de Gobi. Foi preciso uma rajada de vento jogando um punhado de areia em seu rosto para perceber que sua bússola há tempos parara de funcionar.

A direção em que o objeto o guiara a jornada inteira estava completamente errada!

Já que não havia nada que pudesse fazer quanto a tudo aquilo, ele simplesmente pensou que poderia utilizar aquela chance para aproveitar a vista do deserto, então continuou em frente. A única diferença é que o deus mudara a direção de seu destino levemente para o noroeste no último minuto, e finalmente encontrou-se nas fronteiras do local, onde se abrigou temporariamente próximo ao Reino de Meia Lua.

“No começo, eu só estava coletando velharias e outras coisas naquela área,” Xie Lian contou. “Mas as fronteiras estavam com problemas, e com tantos conflitos, sempre haviam soldados que fugiam, então o exército recrutava qualquer um que passasse para recuperarem os números.”

“Então, você foi forçado a se alistar?” San Lang perguntou.

“Sim,” Xie Lian confirmou. “Mas qualquer trabalho naquela época era a mesma coisa para mim, então não me importei muito. E então, depois de perseguir bandidos algumas vezes, eu de alguma forma fui promovido a Capitão. Aqueles que me davam alguma moral me chamavam de General também.”

“E por que ela te chamou de General Hua?” Fu Yao questionou. “Seu sobrenome não é Hua.”

Xie Lian balançou a mão e disse despreocupadamente. “Não se preocupe com isso. Eu criei um nome falso aleatório na época. Acho que era ‘Hua Xie’.”

Ouvindo aquele nome, a expressão de San Lang mudou levemente e seus lábios se contraíram sutilmente. Xie Lian não notou nada, no entanto, e continuou sua história. “Com fronteiras maculadas pela guerra, há sempre diversas crianças órfãs. Eu brincava com elas algumas vezes quando tinha tempo livre. Uma delas… era chamada Banyue.”

Quando o assunto eram malfeitores, Xie Lian era sem dúvidas o mais corajoso soldado e ninguém se atrevia a ficar em seu caminho, nem mesmo tentar acompanhá-lo. Mas quando não era o caso, parecia que todos podiam mandar nele aqui e ali.

Um dia, ele recostou em uma parede para começar uma fogueira, usando seu próprio capacete para cozinhar. Enquanto o fazia, o cheiro viajava pelo ar e alguns soldados raivosos vieram e chutaram o que quer que estivesse cozinhando no chão. Xie Lian pegou seu capacete com o coração apertado, mas quando olhou para trás, viu uma pequena, suja e desgrenhada criança agachada atrás de si. Ela pegava as coisas que haviam caído no solo com suas mãos e as enfiava na boca sem nem se preocupar se estavam muito quentes ou não. 

O príncipe ficou chocado. “Não! Espere, criancinha, você!”

Como esperado, a criança engoliu alguns punhados do que ela pegara no chão e engasgou, começando a chorar alto. Xie Lian estava tão perdido que a pegou de cabeça para baixo e deu algumas voltas correndo até que tudo o que ela houvesse comido voltasse. Depois de fazer isso, ele se agachou e secou seu suor.

“Você está bem, pequenina…? Peço desculpas. Melhor nunca contar aos seus pais o que aconteceu e, da próxima vez, não pegue qualquer coisa do chão para comer… Espere, o que você está fazendo agora?!”

O rosto daquela criança estava encharcado pelas lágrimas, mas ela ainda tentava pegar comida do chão de novo, sem desistir. Foi apenas depois de segurá-la que Xie Lian percebeu que a pele do estômago daquela menina parecia grudada em seus ossos.

Quando as pessoas chegavam àquele nível de fome, qualquer coisa podia servir de comida. Mesmo que fosse algo nojento a ponto de lhe fazer chorar, ela ainda tentaria comer.

O príncipe não teve escolha além de lhe dar a última porção de suas rações. Depois daquele incidente, ele frequentemente via aquela criança lhe seguindo entre as sombras.

Em suas memórias, aquela pequena garota, Banyue, estava sempre com um semblante sombrio. Seu rosto e corpo eram cobertos de hematomas, e quando olhava para o homem, ela segurava com firmeza a barra de suas roupas, admirando-o de baixo. Porque sempre era exilada pelas outras crianças do Reino de Meia Lua, além de Xie Lian, apenas um garotinho específico de Yong’an que também vivia nas fronteiras prestava atenção nela às vezes. Ela, então, passava seus dias seguindo os dois de perto.

A garota raramente falava, mas era fluente no dialeto Han, então Xie Lian não tinha certeza de onde ela havia vindo. Mas aquela era uma criança perdida, então acabou por cuidar dela. Quando não tinha afazeres, ele costumava ensinar músicas à ela, ou a lutar, e até mesmo mostrava por vezes sua performance de rua onde quebrava pedregulhos em seu peito, entre outras coisas. Os dois se davam deveras bem.

O deus sacudiu a cabeça. “Eu achei que o nome ‘Banyue’ no título da Guoshi era o país. Nem ao menos pensei que era nome da própria detentora dele[2].”

“E então?” Fu Yao perguntou.

“E então… é basicamente o que aquela lápide dizia,” Xie Lian afirmou.

Após um momento em silêncio, San Lang se pronunciou. “Mas a lápide dizia que você morreu.”

Bem, sobre aquele memorial, Xie Lian podia dizer que estava bastante desapontado. 

Não era para memoriais serem cheios de elogios e histórias exageradas de bons atos para glorificar o finado? Tirando a menção de seus vários rebaixamentos, por que eles precisavam contar tão seriamente o jeito humilhante como ele morrera?

Enquanto se escondiam da tempestade de areia e acabaram por ler aquilo, o príncipe quase não conseguia olhar para frente de tão encabulado. Se não fosse por San Lang, que também compreendia a escrita de Meia Lua e o observava de perto, ele teria fingido que aquela parte nem ao menos existia. Mesmo o próprio sujeito queria dar risada de tal coisa escrita e deixada para a história, então não poderia julgar as outras pessoas por fazerem isso. Ele nem ao menos teve coragem de pedir para aqueles buscando abrigo em seu memorial para que não rissem enquanto comentavam e faziam piadas sobre seu epitáfio. Aquilo realmente o havia deixado frustrado.

A testa de Xie Lian já estava ficando vermelha de tanto que a esfregava. “Ah, aquilo. Hm. É claro que eu não morri. Eu fingi.”

O rosto de Fu Yao demonstrava cada vez mais incredulidade. Xie Lian continuou a explicar. “Eu fui tão pisoteado que não conseguia levantar, então não tive outra opção além de fingir minha morte.”

Na realidade, Xie Lian não conseguia lembrar com exatidão como ele havia “morrido”, nem por que aquele conflito havia se iniciado em primeiro lugar, apenas que era sobre algo insignificante. Ele realmente não queria lutar, e tanto a vitória quanto a derrota não os levaria a lugar algum. Porém, naquela época, não havia mais nada abaixo de sua atual posição e ninguém lhe daria ouvidos. No meio da batalha, todos possuíam um olhar sedento de sangue, então quando ele correu e ambos os lados viram quem era, por alguma razão todas as lâminas e espadas vieram atrás de si para transformá-lo em pedacinhos.

Fu Yao comentou, “Você deveria estar bem no meio de campo sendo um estorvo e isso fez com que ambos os lados ficassem irados, não? Do contrário, por que as pessoas iriam querer lhe esquartejar assim que botassem os olhos em você? Além disso, estou certo de que você tinha ciência de que vários lhe odiavam, então por que não os evitou? Por que tinha que entrar no meio? Tenho certeza que poderia ter fugido da coisa toda se quisesse.”




[1] Han era o dialeto de Yong’an e das Terras Centrais, e no qual a maioria dos personagens da novel se comunica.

[2] Apenas lembrando-os que “Banyue” significa “meia lua”, a mesma “meia lua” do nome do reino, e até mesmo suas grafias são iguais [半月], por isso Xie Lian achou que o nome se referia ao reino e não à garota.



Traduzido por: Mia

Revisado por: Mia

TGCF Brasil



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